Mauricio Figueiredo

Educação, recursos humanos e o melhor do et cetera

terça-feira, 6 de junho de 2017

O diabo mora em cada um de nós

                                          Jorge Eduardo Machado ao lado da também jornalista 
                                          Cynthia Cruz, durante o lançamento do livro, em 8 de 
                                          março, no Multifoco Bistrô (Lapa)

O jornalista e bacharel em Direito Jorge Eduardo Machado fala sobre seu recém-lançado primeiro livro solo, uma coletânea de contos de terror publicada pela Editora Multifoco

Essa introdução é do próprio autor. Ele aqui dedura um velho profissional que anda meio preguiçoso, aproveitando suas férias na Região dos Lagos.
Jorge Eduardo Machado me convidou para o lançamento de seu livro. Distante do Rio dei na preguiça e não compareci, mas fazendo o devido registro sobre a noite de autógrafo.
Sentindo-me em dívida com o jovem jornalista e também advogado fiz contato pedindo notícias sobre o livro e possíveis novidades do escritor.
Acertamos a entrevista, mas ando meio enferrujado e então sugeri que o escritor recorresse ao Jorge Borralho jornalista para a tarefa. Ele, inicialmente ficou surpreso, mas disse que isso é o mais comum do que se pensa. Creio que estava certo, pois aqui com brilhantismo, o jornalista Jorge Borralho entrevista com maestria o escritor Jorge Eduardo Machado, quem ganha - e muito - é o leitor. (Mauricio Figueiredo). PS: Me ensinaram que não se separa título de texto com fotos, mas eu sempre tive vontade de fazer isso. Já a legenda quilométrica da foto é do Jorge.

                                                  *****
Por Jorge Borralho (ou Jorge Eduardo Machado, ou vice-versa)

Certa manhã, o mestre Mauricio Figueiredo, companheiro de outros tempos na redação da Folha Dirigida, me perguntou: e o livro? Bem, o livro foi lançado em março, pela Editora Multifoco, e vai seguindo a trajetória que dele se esperava: a repercussão tímida de uma obra de nicho, mais especificamente da literatura de terror. “O diabo mora nesta casa e outras histórias de horror e suspense”, minha estreia literária, reúne 22 contos e microcontos que escrevi entre 2004 e 2016, e está à venda no site da editora
(http://editoramultifoco.com.br/loja/product/o-diabo-mora-nesta-casa-e-outras-historias-de-horror-e-
suspense/).

“E a entrevista para eu publicar na Agência Repórter Digital?”, me perguntou o decano do jornalismo
investigativo de concursos e empregos, que hoje mantém o site apenas por diletantismo. “Ah, bem...
Entrevista produzida? Não tenho”, respondi, sem deixar de pensar que falta faz uma assessoria de
imprensa. “Faça você mesmo”, sugeriu-me o neopragmático Mauricio, no intervalo de uma de suas
pescarias na Região dos Lagos, onde curte a merecida aposentadoria, sem se preocupar em mandar não mais que duas ou três perguntas.

Pois bem, leitores. Desta vez, vocês vão ler uma entrevista produzida, mas sem véus nem subterfúgios.

Entra em cena o jovem repórter Jorge Borralho, que em sua breve passagem pelo jornal O Globo no início do século mudou seu nome profissional para Jorge Eduardo Machado – este que, agora, já até fora da carreira jornalística, por ter enveredado pelo mundo das ciências jurídicas, será o entrevistado. Nesse tête-à-tête defronte do espelho, nenhuma pergunta ficará sem resposta, até porque é possível mentir para todo o mundo, menos para si mesmo.

                                                          "Há contos de vampiros, lobisomens, 
                                        assombrações, enfim, terror para todos os gostos..."

Jorge Borralho: Como surgiu a ideia do livro?

Jorge Eduardo Machado: Entre 2004 e 2016, escrevi uma série de contos, a quase de totalidade de horror e suspense. Alguns deles foram premiados em concursos literários. Eu já havia publicado em coletâneas e disponibilizado os contos em sites na internet, mas havia a vontade de publicar uma obra solo. Então, reuni o material e enviei para a editora, que o aprovou.

JB: Mas o que desencadeou essa vontade de publicar um livro? Era um sonho antigo?

JEM: Embora sonhar seja importante para o ser humano, não me considero uma pessoa movida a sonhos.
Tenho sim objetivos, de curto, médio e longo prazo. No caso do livro, que é uma veleidade, eu atribuo mesmo à vaidade, que é um sentimento tão humano quanto qualquer outro. Porque, veja bem, eu não planejo ser um escritor profissional. Essa é uma carreira que merece dedicação total, que deve ser conduzida com muita seriedade. Dadas as minhas condições de vida atuais, não tenho como apostar num projeto desses e, sinceramente, não sei se tenho talento literário suficiente. Para viver como escritor no Brasil, acredito que seja preciso ser excelente, e não apenas bom, ou, em não sendo excepcional, tornar-se um fenômeno midiático (um youtuber, um blogueiro). Só que aí você não viverá da boa literatura, mas de performance.

JB: É difícil publicar no Brasil?

JEM: Publicar, em si, não é tão difícil. Existem numerosas editoras, algumas de fundo de quintal, que
promovem concursos de fachada apenas para congregar um número tal de autores a fim de publicar
coletâneas. Já publiquei dessa forma. Só que aí você paga para publicar. Difícil é você convencer uma
editora a apostar em um projeto. No caso da Multifoco, eles têm uma proposta de parceria. Você faz uma tiragem limitada, pela qual não precisa pagar. E o livro fica disponível para encomendas. Isso faz com que a própria seleção do material obedeça a um critério de qualidade. Nas grandes editoras, você consegue ter um esquema de publicidade maior, o que abre caminho para um maior sucesso editorial, com grandes tiragens. Mas, em geral, não há vida fácil no mercado editorial. O Brasil não é um país de leitores. E, cada vez mais, o papel do livro, num mundo soterrado por informações digitais, terá que ser repensado. Quem não se adaptar vai ficar pelo caminho.

JB: Vamos falar do livro. O que quer dizer o título?

JEM: “O diabo mora nesta casa” é o título de um dos contos. Conta a história de um exorcismo de uma menina, durante o qual os parentes, ao relembrarem o episódio, revelam segredos inconfessáveis. O título pode levar a crer que se trata de um terror pesado, mas, na verdade, é uma das obras mais psicológicas que já produzi.

JB: Então, quem espera por sangue e tripas...

JEM: Vai encontrar também. Há contos de vampiros, lobisomens, assombrações, enfim, terror para todos os gostos. Só que, mesmo nas histórias mais sangrentas, procuro entrelaçar o drama humano. Ou seja, o terror é um elemento dramático, e não um recurso gratuito.

JB: Do que você tem medo? É supersticioso, religioso, fez pacto com o diabo?

JEM: (Risos) Por partes. Não saberia me definir religiosamente hoje em dia. Não sou mais um ateu
convicto. Depois que você tem filho (meu primeiro menino nasceu em agosto do ano passado e já estamos esperando um próximo para outubro), muita coisa passa pela sua cabeça, e você começa a se questionar sobre várias certezas. Mas eu diria que, ainda hoje, não acredito no sobrenatural. Nunca tive uma experiência fora do comum, nunca experimentei o que chamam de “mistério”. Então, não, eu não tenho nada com “o diabo”. Para mim, ele nem existe. A não ser que você se refira ao diabo metafórico que mora dentro de cada um de nós, como a contraparte má da nossa vontade de praticar o bem. Essa confrontação é humana. Ninguém é totalmente bom ou ruim, muito embora, às vezes, uma dessas tendências prevaleça.

JB: E o medo?

JEM: Ah, sim. Eu tenho medo de morrer. Ponto. A meu ver, todos os medos, seja de perder alguém, de ficar sozinho, da violência, derivam do medo maior, que é o medo da morte. No meu caso, que não
acredito no além-vida, esse medo é levado ao extremo, porque, para mim, significa o fim. E, depois do fim, não estaremos mais aqui pelo restante da eternidade. É assustador, um desperdício, contra o qual não podemos lutar. Já sofri uma tentativa de homicídio, levei dois tiros, poderia ter morrido naquele dia e garanto: morrer é a pior parte da vida.

                                                            "Já tenho iniciado um romance, cujo
                                 nome provisório é “Noite no claustro”. É uma homenagem 
                                                         ao Álvares de Azevedo"


JB: Mas como alguém que tem medo da morte se dedica à literatura de horror? Como surgiu essa

preferência?

JEM: Você sabe como surgiu (risos). Sempre assisti a muitos filmes de terror. Gostava muito das séries “A Profecia” e “Hellraiser”. Vejo o gênero terror como uma metáfora desse nosso maior medo. É uma espécie de catarse, que nos ajuda a controlar o pavor nosso de cada dia.

JB: E na literatura? Algum autor o influenciou?

JEM: Acredito ser difícil algum brasileiro que se dedique à literatura escapar à influência de Machado de Assis. A presença dele é algo esmagador. O Machado é meu escritor favorito. Em termos estilísticos, aprecio, embora não reconheça como influência na minha escrita, Clarice Lispector e Nelson Rodrigues.

Especificamente em relação à literatura de terror, as maiores influências vêm de fora: Edgar Allan Poe, Horacio Quiroga, H.P. Lovecraft, Bram Stoker, Robert Louis Stevenson. Há alguns bons contos de terror brasileiros de escritores nem tão badalados, como Humberto de Campos e Coelho Neto. E há um romance em formato de contos, “Noite na Taverna”, de Álvares de Azevedo, de que gosto muito, embora não seja propriamente terror, mas o climão é bem soturno. Agora, a maior influência nos meus contos é mesmo a cinematografia do M. Night Shyamalan. Eu sei que muitos críticos condenam aquele artifício do “sustinho” no final, como se fosse uma redução das possibilidades literárias, mas eu gosto e pratico. Até hoje, me lembro de ter ficado tonto no cinema quando a aliança caiu da mão da esposa do personagem do Bruce Wyllis no fim de “O sexto sentido”. É uma sensação inesquecível, que me fez virar fã do Shyamalan. Ele me surpreendeu muito também em “Corpo fechado”, talvez por eu ser um fã de quadrinhos. Depois, caiu bastante a qualidade dos filmes, mas vejo todos.

JB: E o que vem pela frente?

JEM: Não sei quando terei tempo para finalizar meu próximo projeto de literatura de terror. Já tenho
iniciado um romance, cujo nome provisório é “Noite no claustro”. É uma homenagem ao Álvares de
Azevedo, de quem falei há pouco. Mas eu trabalho num tribunal, e os processos não param de chegar.
Tempo é o recurso mais escasso da nossa época. Aproveite o seu.

JB: Alguma dica para quem quer se tornar um grande escritor?

JEM: Se eu tivesse essa fórmula, eu mesmo a usaria. Mas suspeito que, quanto mais se lê, mais se escreve bem. E, se o talento tocar você, poderá se tornar um grande escritor.

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